O Globo - 2/3/81
Hortas Caseiras
Sugestão: uma horta em cada casa, fábrica, penitenciária e quartel

Cada pessoa deveria plantar. Cada associação de moradores deveria ter um entreposto para oferecer alimentos naturais e baratos. Os moradores de cada rua, quarteirão ou bairro deveriam se ajudar criando hortas e trocando os produtos. Uma horta - ou mini-horta, a depender do espaço - deveria existir em cada casa, apartamento, orfanato, escola, fábrica, penitenciária, hospital psiquiátrico e quartel.

Com esta idéia, e propondo-se a oferecer orientação básica e gratuita a cada pessoa ou instituição que desejar torná-la realidade, é que Joaquim Moura, criador da Cooperativa dos Produtores e Consumidores de Alimentos, Idéias e Soluções Naturais (Coonatura-RJ), está iniciando um trabalho de estímulo em áreas urbanas. E como demonstração, uma mini-horta estará florescendo em pleno Botafogo, bairro onde funciona a Coonatura - garante Joaquim Moura.

ENTREPOSTO

Também dentro de alguns dias, a Coonatura - que só será registrada neste ano apesar de já existir na prática há dois e congregar cerca de 300 pessoas - vai inaugurar seu entreposto de alimentos naturais em sua sede, na Rua Mena Barreto 35. E, aí, muitos dos produtos vendidos serão os plantados por seus próprios associados, diz Joaquim Moura, de 33 anos.

O local é alugado à Pequena Obra N.S. Auxiliadora, à qual a Coonatura "ajuda realizando trabalhos de orientação de plantio também em favelas". 

- É para todo este trabalho, ao qual nos propomos, que fazemos parte da cooperativa, estamos nos reunindo todas as quinta-feiras, às 20h30 na sede. Dos 300 associados, cerca de 30 frequentam assiduamente essas reuniões. E aí, qualquer pessoa interessada em plantar pode nos procurar para orientação.

A partir do entreposto e da mini-horta, a Coonatura também tem planos de desenvolvimento de cursos práticos e de aperfeiçoamento em técnicas naturais de agricultura, assegura Joaquim. Ele pretende entrar em contato com associações de moradores e também instituições governamentais ou particulares que queiram ampliar este trabalho, pois crê que "tudo é possível, a partir da conscientização das pessoas".

- As hortas em apartamentos, por exemplo, são questão de consciência. Sendo um pouco criativa, a pessoa poderá, em caixotes ou vasos colocados em áreas ensolaradas, colher, durante todo o ano, salsa, cebolinha e coentro, que têm qualidades medicinais. A salsa, por exemplo, tem muito ferro e mais vitamina A do que a cenoura. São coisas fáceis de se ter. Por outro lado, se não resolve o problema da alimentação das pessoas, pelo menos tem caráter educativo para as crianças o cultivo de alguns pés de alface.

COBERTURAS, CONJUNTOS

A idéia, segundo Joaquim Moura, é estimular a plantação nas coberturas dos prédios - em canteiros de alvenaria, caixotes ou caixas d'água, assim como o plantio de hortas e pomares nos conjuntos habitacionais, "em vez de plantas apenas ornamentais". De acordo com ele, alguns dos associados da Coonatura estão com experiências de comunidades agrícolas em dois sítios perto do Rio:

- Um deles é o sítio "Semente", em Areal, que foi arrendado por um grupo de pessoas da cooperativa, e outro em Guapimirim, na estrada para Teresópolis, pertencente a um associado. Em cada sítio, seis pessoas desenvolvem hortas e plantio de arroz, feijão, milho etc., com técnicas naturais, sem qualquer tipo de adubo químico. Há seis meses começou esta experiência, e então pensamos no entreposto.

O fato de pretender levar a todos um pouco desta experiência, porém, não é novo em Joaquim Moura, que, à frente da Cooperativa, já orientou três outras hortas, duas de pessoas da própria Coonatura, e uma no Internato Santa Mônica, em Jacarepaguá, durante um ano, bem antes de sua desativação pela FEEM. Segundo Joaquim, "a experiência foi muito boa e 250 crianças aprenderam os fatos básicos da agricultura, vendo e acompanhando seus resultados".

CARTAS
Muitas pessoas devem conhecer Joaquim Moura através das seções "Cartas de Leitores" de vários jornais, para os quais, de 1976 a 1979, ele já escreveu centenas de cartas com propostas ecológicas. Aliás, sobre suas cartas (além dos jornais ele escrevia sistematicamente para pessoas conhecidas que podiam variar de Carlos Drummond de Andrade ao Ministro Golbery do Couto e Silva) até Drummond escreveu crônica.

Depois de trabalhar dez anos fazendo programação visual no Banco Central e três como desenhista no escritório de Aloisio Magalhães (atual Secretário de Patrimônio Histórico e Artístico Nacional), Joaquim Moura, em 1978, resolveu fazer uma "opção ecológica", como diz. Abandonou estas atividades e foi viver em comunidades rurais em Brasília, de lá foi a Recife, depois para uma fazenda na Serra do Caparaó. Desde então escreveu cartas para jornais "com o intuito de despertar as pessoas para a grave situação do meio ambiente" - em 1979 voltava ao Rio com a idéia da Coonatura.

- E foi através das cartas que a cooperativa surgiu.  Conclamei as pessoas a fazerem a opção por uma comida sem veneno, unindo, numa cooperativa, produtores e consumidores de alimentos naturais, frescos, puros e baratos. E mais de 200 pessoas se interessaram.

   Mostrando t rês grossos livros onde arquiva suas próprias cartas em jornais e as respostas a elas, além de reportagens a respeito, Joaquim Moura exibe ainda duas cartas dirigidas em 1979 ao então prefeito Israel Klabin. Nelas ele lançava as idéias do plantio de hortas em áreas urbanas, da organização de entrepostos e da criação das centrais de informação e apoio, com cursos técnicos de plantio. O prefeito gostou e já tínhamos um plano para início da ação quando ele saiu.

CARTAZ
Vivendo atualmente com o que ganha na firma Pureza Alimentos Naturais, da qual é um dos sócios - ele próprio vende lanches naturais pelas praias - Joaquim Moura diz que, agora, pretende reiniciar sua série de cartas, para dar impulso ao sonhado plantio em áreas urbanas. E lembra, como um dos "bons frutos" para isto, um cartaz por ele criado em 1979, e para o qual conseguiu papel e distribuição do Mobral e impressão da Prefeitura do Rio.

Com o título de "As Hortas da Vida na Vida da Cidade", dez mil cartazes foram distribuídos pelo país, com os nomes do Mobral, Prefeitura e Coonatura-RJ. Com 15 desenhos que mostram diferentes formas de se plantar em áreas urbanas, e com texto didático, inclusive ensinando técnicas de plantio, o cartaz ainda apresenta uma tabela que aponta as qualidades medicinais e os tipos de vitaminas de diversas hortaliças. E uma das frases - de uma série de outras que no cartaz procuram despertar as pessoas para o plantio em áreas urbanas - sintetiza a idéia de Joaquim Moura de estímulo à agricultura natural (da qual tem conhecimentos através de leituras especializadas e também de um curso sobre Ecologia Agrícola feito na Fundação Estadual de Engenharia do Meio Ambiente - FEEMA, do Rio de Janeiro):

"Se em todos os quintais de todas as casas das cidades brasileiras crescessem legumes e verduras haveria menos problemas de nutrição e saúde e menos lixo orgânico, os alimentos à venda seriam mais baratos, e menos produtos químicos, caros e tóxicos, precisariam ser gastos na agricultura".