Com a atual diminuição da oferta de empregos, muitos trabalhadores buscam em atividades alternativas, como a coleta e revenda de lixo, a solução para o sustento de suas famílias.
Os que estão envolvidos com coleta de material descartado para reciclagem vêm tentando, também, superar a condição marginal dessa atividade através de diversas formas de associativismo, aptas a melhorar suas condição de trabalho.
Organizados em cooperativas e associações, esses trabalhadores têm acesso a apoios oficiais, financeiros ou tecnológicos.
Com esses apoios abrem-se novas possibilidades de atuação no processo de reciclagem, de forma a agregar valor aos produtos reciclados. A conseqüência positiva é o aumento da renda gerada e a abertura de mais postos de trabalho.
Além disso a ação dos consultores responsáveis pelo apoio técnico pode orientar a atividade para ser ambientalmente correta. Uma opção é conjugar o esforço de sobrevivência dos catadores com a recuperação dos danos ao meio ambiente, provocados por processos industriais de produção em larga escala. Isso cobre lacunas na política pública de meio ambiente no tratamento dos descartados.
Assim a ineficiência do sistema de coleta e triagem de lixo é amenizada e alguns problemas sócio-econômicos do País encontram saídas. A atuação dessas associações contribui simultaneamente para a solução de problemas ecológicos e sociais, promovendo a inclusão social.
Uma dificuldade, porém, é o baixo retorno da atividade de recolhimento e venda de sucata. Isso levou as cooperativas de catadores a tentarem manufaturar produtos com maior valor agregado, usando como matéria prima o material recolhido. Para isso, entretanto, é fundamental contar com conhecimentos e recursos produtivos e tecnológicos.
Uma das áreas do conhecimento importantes para melhorar a qualidade dos produtos e as condições de trabalho do negócio é o design. O design pode aperfeiçoar produtos já comercializados, desenvolver novos produtos e melhorar a rentabilidade do sistema fabril.
Diante desse quadro pesquisadores da Divisão de Desenho Industrial do INT - Instituto Nacional de Tecnologia – decidiram apoiar tecnicamente a CoopManga - Cooperativa de Trabalhadores da Mangueira, comunidade carente da cidade do Rio de Janeiro que, entre outras atividades, mantém um núcleo de catadores de lixo, que recolhe latas, papeis e garrafas PET (as populares garrafas de refrigerantes “dois litros” são o exemplo mais comum).
Esta pesquisa busca desenvolver produtos que tenham, como matéria prima, garrafas descartadas de PET.
Os responsáveis pela CoopManga tomaram como modelo a experiência-piloto da comunidade de Vigário Geral, outra comunidade carente do Rio de Janeiro. Esta recebeu apoio da Fundação Onda Azul e do INT para viabilizar a comercialização de mobiliários cuja estrutura emprega garrafas PET recolhidas, em vez de madeira ou metal.
Apesar das melhorias na técnica de manufatura, os trabalhadores da cooperativa identificam ainda alguns fatores a serem aprimorados no produto, para aumentar a aceitação pelo mercado, como estética e a ergonomia.
Daí surgiu o segundo projeto (PET-2), financiado pela FCC - Fabrica Carioca de Catalizadores – que abrangeu quatro aspectos: design de novos produtos, avaliação da resistência estrutural dos produtos atuais, avaliação e melhoria da ergonomia e divulgação dos produtos na mídia.
A solicitação do projeto pedia que as soluções propostas melhorassem a produtividade e o retorno financeiro da atividade e atendessem o consumidor do produto quanto a conforto, usabilidade, durabilidade, estética, manutenção e descarte.
A expectativa da CoopManga com a contratação do projeto é aumentar o valor agregado do produto comercializado, aumentando a renda dos catadores e abrindo novos postos de trabalho na comunidade.
Atualmente são produzidas, no Brasil, mais de 12 milhões de unidades por dia, segundo dados da ABEPET (2001). Existe uma expectativa de crescimento do consumo mundial da resina PET acima de 10% ao ano, até 2004, devido à penetração em novos mercados.
As qualidades do PET - transparência, resistência mecânica, leveza, brilho, barreira a gases e baixo custo - contribuíram para a difusão do seu uso na indústria de embalagens.Os produtos embalados com PET puderam reduzir seus preços finais (em alguns casos, como os refrigerantes, em até 30%).
Mas ao sucesso técnico e econômico da garrafa PET contrapõem-se várias restrições ecológicas. Como a maioria das embalagens, a garrafa PET tem um ciclo de vida extremamente curto, muitas vezes de apenas uma semana entre produção, distribuição, consumo e descarte. Mas a vida inútil da embalagem PET é extremamente longa. Cada garrafa pode levar séculos para ser degradada na Natureza.
Outro aspecto negativo do descarte das embalagens PET é seu efeito em aterros sanitários. O plástico impermeabiliza as camadas de material, prejudicando a circulação de gases e líquidos, o que retarda o processo de decomposição.
O pior, no descarte inadequado de embalagens plásticas, ocorre ao serem jogadas em córregos e rios, hábito freqüente em áreas carentes. As garrafas impedem o fluxo normal das águas e favorecem enchentes, destruição de propriedades e epidemias de doenças infecciosas.
O recolhimento e re-prossessamento de embalagens descartáveis apresenta, portanto, fortes apelos ambientais. Mas além dos aspectos ecológicos, a reciclagem de PET apresenta importantes perspectivas sociais. A coleta, seleção e processamento das embalagens descartadas são atividades que exigem o uso extensivo de mão-de-obra, não necessariamente especializada, gerando trabalho para cidadãos de camadas menos favorecidas da sociedade, justamente aqueles que encontram mais dificuldade para se inserir no mercado de trabalho. A reciclagem gera trabalho para catadores, sucateiros, operários, de tal ordem que estima-se que 200 mil pessoas vivam diretamente da coleta e venda de material reciclável (ABEPET, 2000).
Mesmo assim, apenas pequena parte do material descartado é re-processado. Para que aconteça efetivamente uma reciclagem em grande escala, o recolhimento de material descartado precisa ser economicamente atraente, ou as embalagens não serão recicladas, mesmo que seja tecnicamente possível. Há uma serie de limitações econômicas, técnicas, tributárias e legais, como a proibição de reutilizar embalagens PET no acondicionamento de alimentos, a taxação da matéria prima reciclada, etc. É necessário que os complexos problemas de coleta, triagem e logística sejam equacionados, ainda na fase de projeto do novo produto. O alto nível de reciclagem da lata de alumínio, em contraste com os tímidos valores da reciclagem de PET, reflete esses aspectos. O valor de revenda da sucata do PET é quase dez vezes menor do que o do alumínio, e o volume ocupado é muito maior, desestimulando a coleta do PET.
De hábito a reciclagem de PET ocorre por re-processamento da matéria-prima. As embalagens descartadas são catadas, separadas das tampas, rótulos e eventuais restos de cola, lavadas, comprimidas e enfardadas. O fardo é vendido para grandes empresas que moem e fundem o plástico, transformando-o novamente em grãos a serem vendidos às empresas fabricantes de produtos de consumo final.
Existe, entretanto, outra possibilidade de reutilização de embalagens PET descartadas: a manufatura direta de produtos, sem re-processamento em larga escala por processo industriail. A vantagem está no aumento dos ganhos dos catadores, devido ao maior valor agregado do produto acabado, além de não exigir equipamentos complexos, como prensas, enfardadoras e moedoras.
A solução para o problema do descarte de embalagens é o re-processamento em massa por processos industriais, dado o volume de descarte e o capital necessário para a viabilização econômica e técnica. Mas a crise social faz que muita gente sustente as famílias com atividade de coleta, e para esses é fundamental o aumento dos ganhos através de um produto com mais valor agregado, produzido em paralelo ao PET reprocessado em escala industrial.
Como a garrafa PET reciclada é uma matéria-prima com características aplicáveis a diversos produtos, esse projeto é viável. O custo é extremamente baixo, por ser um produto descartado, abundante e fácil de encontrar. Processamento simples, não exige maquinário: é leve, passível de ser cortado com faca ou tesoura e maleável a baixa temperatura. É suficientemente resistente para diversas aplicações. Em avaliações realizadas no Laboratório de Ergonomia do INT, mostram que um sofá construído com garrafas PET apresenta resistência semelhante à de um construído em madeira.
Uma família de produtos, englobando sofás, poltrona e pufe foi desenvolvida para a CoopManga. Os produtos utilizam garrafas PET recicladas na estrutura, fixadas com fita adesiva ou outro processo. Os produtos podem receber diferentes materiais para revestimento e acabamento.
O projeto aprimora a estética e o conforto dos produtos, observando recomendações ergonômicas e antropométricas. Também atende a outros aspectos, como usabilidade, manutenção, produção, descarte e durabilidade. E respeita as restrições produtivas da cooperativa, como maquinário, recursos humanos, capacidade de investimento e área disponível.
Atualmente a cooperativa está fabricando os protótipos, com acompanhamento do INT, que também apoia a divulgação dos produtos na mídia, preparando fotos, releases e estabelecendo contatos com revistas especializadas da área de arquitetura, design e interiores. O INT acompanhará o processo até a fase piloto, para dirimir dúvidas eventuais.
Como resultados imediato, a exemplo do que aconteceu na experiência em Vigário Geral, verifica-se drástica redução no número de garrafas descartadas no lixo da comunidade.
Outro resultado que merece destaque é o efeito educacional sobre os moradores locais, a partir do exemplo de que o lixo pode ser gerador de riquezas. É a formação de uma consciência ambiental urbana, quando a população começa a perceber que há um capital embutido no que é normalmente entendido como lixo, se forem apresentadas soluções científicas, que viabilizem seu emprego útil.
Espera-se também a abertura de novos postos de trabalho na Cooperativa e a expansão do programa em outras regiões do país num processo dominó: o sucesso na CoopManga deriva do sucesso em Vigário Geral e da percepção que o projeto é auto-sustentável, sendo naturalmente atraente para outros grupos.
Conceitualmente, reforça-se a conclusão que a pesquisa de soluções para o problema do material descartado no meio urbano depende do envolvimento e intervenção de diversos atores, além do setor público.
É fundamental a participação ativa de associações e cooperativas de catadores, do setor industrial e de especialistas detentores de conhecimento especializado.
O design é um saber especializado necessárias para o sucesso de ações de formação de frentes de trabalho associativas ambientalmente orientadas. Ele viabiliza iniciativas de geração de trabalho e renda, porque aborda aspectos técnicos, mercadológicos, produtivos e sociais, fundamentais para a correta utilização de matérias primas.
O papel do designer nesse processo pode ocorrer nas etapas de projeto
do produto, nas pesquisas de usabilidade e apropriação dos
usuários e no design de novos produtos, pesquisando usos para o
material reciclado.
Pesquisador(es) Responsável(eis)
Júlio C. Augusto da Silva, Bernardo Senna
e Marcelo Paiva
juliocas@int.gov.br
Título do trabalho acadêmico
Design apoiando ações que conjugam
aspectos ecológicos e sociais: desenvolvimento de produtos utilizando
garrafas PET descartadas
Instituição(ões)
Instituto
Nacional de Tecnologia - INT
Fonte(s) Financiadora(s)
FCC - Fábrica carioca de catalizadores
Sugestões de leitura
Manual PET, folheto de divulgação do CEMPRE - COMPROMISSO
EMPRESARIAL PARA RECICLAGEM, 2001.
Design Social, uma experiência com design na política pública
de geração de Trabalho e Renda, de Júlio C. A. Silva,
in Designe, volume 3, número 3, páginas 136 a 140, Rio de
Janeiro, 2001.
Aspectos da Reciclagem, folheto de divulgação
da ABEPET - ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DOS FABRICANTES DE EMBALAGENS
PET, 2001.